sexta-feira, 9 de abril de 2010

Rio: mais um retrato do descaso

08/04/2010 - 09:52

Tragédia no Rio expõe as falhas do poder público na prevenção de desastres. "Falta seriedade e transparência ao gestor brasileiro", diz pesquisadora.
Com o objetivo de tentar entender os flagrantes erros dos governos municipais, estaduais e federal no que diz respeito à prevenção de desastres, ÉPOCA entrevistou, em fevereiro, a professora Norma Valêncio, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped) do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Norma coordenou a produção do livro Sociologia dos Desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil, o qual conclui que, na origem das tragédias, está a falta de seriedade e transparência dos governantes brasileiros. Esse comportamento, afirma ela, é responsável pela falta de um serviço de Defesa Civil capaz de envolver todos os setores da sociedade e efetivamente defender a população civil.

Nesta quinta-feira, 8 de abril, em meio a uma semana na qual mais de 150 moradores do Rio de Janeiro morreram por conta do descaso, a entrevista continua totalmente atualizada.
Confira abaixo o início da conversa com Norma Valêncio e clique no link para ler a entrevista na íntegra:

Saiba mais:

ÉPOCA –
Um levantamento da ONG Contas Abertas mostrou que, em 2009, o governo federal gastou dez vezes mais com reparos de desastres do que com a prevenção deles. Esse tipo de dado é um padrão no Brasil. Qual é a origem desse fenômeno?
Norma Valêncio –
Há muitas origens. Duas delas, aparentemente ambíguas, são: a cultura acadêmica verticalizada e a cultura política reativa e conservadora. A cultura acadêmica que valoriza a verticalização da formação profissional gera especialistas excelentes, mas pouco predispostos a compartilhar visões de mundo com sujeitos diferentes de si. Por conta da falta de diálogo, esses profissionais e as instituições em que trabalham atuam minimizando os riscos sabidos mas não se apercebendo de outros. A recorrência de desastres, assim, é a materialização dessas lacunas. De outra parte, temos uma cultura político-institucional cuja burocratização instituiu o gosto pela manutenção das relações com certos grupos de poder. Se há um lobby que força investimentos no setor da construção civil, associado a profissionais empenhados em fazer ajustes a tais interesses, o gestor público se acomoda e perde a dimensão global dos efeitos cumulativos dessas intervenções. A setorialização leva um grupo a cuidar da insuficiência da calha do rio para receber as águas pluviais enquanto o outro está construindo novas pistas marginais. Sendo conservador, o gestor testemunha estupefato o desastre e, infelizmente, recorre aos mesmos setores e especialidades para achar soluções, o que faz o desastre persistir, ainda que em nova roupagem.

ÉPOCA –
Alguns municípios são atingidos mais ou menos da mesma forma e nos mesmos locais ano após ano. Se os desastres são motivo de desgaste político, por que muitos governantes não agem para controlar ou resolver os problemas?
Norma –

Nem sempre o desastre só traz desgaste político. Isso depende muito de qual ética ancora o gestor. Em primeiro lugar, a ocorrência de desastres implica a possibilidade de captação de recursos públicos adicionais e, ainda, de doações privadas, para mitigar danos e para a reconstrução. Pode ser um bom negócio tanto para ofertadores de produtos e serviços ao município, quanto para políticos que querem alavancar sua imagem com a adoção de medidas assistencialistas. Claro que há os que se exasperam, sofrendo junto com a população afetada, mas que não conseguem acionar estratégias, recursos e equipes que lhes ofereçam um plano de reconstrução alternativo, que reduza a vulnerabilidade socioambiental. Nas campanhas políticas que vem por aí, não dá pra jogar o desastre na cara do adversário, porque regiões desenvolvidas e atrasadas, das múltiplas colorações partidárias, são acometidas do mesmo mal. É uma questão que interfere no planejamento de Estado e assim deveria ser tratada.

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